
Conceito de expectativa
Expectativa, do latim exspectātum (“aguardado” ou “em vista”), é a esperança de conseguir ou de realizar algo.
• Modos de categorizar as pessoas através dos indícios e das informações, prevendo o seu comportamento e as suas atitudes;
• São mútuas, isto é, o outro com quem interagimos desenvolve também expectativas em relação a nós;
• Costuma estar associada à possibilidade razoável de que algo venha a acontecer. Para isso, há, regra geral, algo que a sustente. Caso contrário, não passa de uma simples esperança irracional ou baseada na fé;
Exemplo: se houver muitas nuvens no céu, a expectativa é que venha a chover em breve. Por isso, a resposta a essa expectativa é de não sairmos de casa sem levar o guarda-chuva para evitar molharmo-nos assim que caírem as primeiras gotas e não sermos apanhados desprevenidos.
• A expectativa surge nos casos de incerteza, quando ainda não está confirmado aquilo que irá acontecer. A expectativa é aquilo que se considera mais provável de vir a acontecer: trata-se, por isso, de uma suposição mais ou menos realista;
O cérebro como máquina de predição
De acordo com um cada vez maior número de neurocientistas, o cérebro é uma máquina de predição que constrói uma simulação elaborada do mundo, baseada tanto nas expectativas e nas experiências passadas, como nos dados naturais que atingem os nossos sentidos.
Os olhos
Os estudos têm vindo a mostrar que as pessoas vêem as coisas em função das suas próprias expectativas, ou seja, os olhos também influenciam as nossas expectativas conforme a luz e o contexto em que estamos a observar as situações. Até a época do ano pode influenciar a forma como o cérebro processa uma determinada informação ambígua. Cientistas suíços, fizeram uma experiência; à porta de um Jardim Zoológico, questionando as pessoas que entravam, o que viam numa determinada imagem. A famosa imagem ambígua é uma ilusão de ótica que se mostra de seguida:
Os resultados deste estudo mostram que durante o mês de outubro, 90% dos visitantes do Jardim Zoológico descrevem ver um pato, uma ave a olhar para o lado esquerdo; no entanto, quando a pergunta foi realizada na época da Páscoa, essa resposta desceu para 20% e a maioria das pessoas passou a observar um coelho a olhar para o lado direito.
Onde o poder da expectativa é também bastante conhecido, é no mundo da gastronomia. Uma experiência com a comida de astronautas foi realizada ao mudar a etiqueta de “comida do espaço” para a descrição da comida que continha a embalagem e a perceção do sabor foi alterada pelos próprios astronautas.
Efeito Placebo
Quando se toma um medicamento, esse medicamento vai produzir um determinado efeito tendo em conta os químicos que contem. Assim, quando se toma espera-se um determinado resultado. O que os estudos têm vindo a demonstrar é que esse resultado é muitas vezes possível mesmo sem tomarmos os medicamentos. Isto quer dizer que o nosso corpo tem a capacidade de produzir determinados químicos apenas por sugestão ou expectativa. A este fenómeno chama-se efeito placebo.
Desde o nascimento da medicina moderna no século 18 que os médicos estão cientes de certos tratamentos que trazem alívio aos pacientes apenas através das suas crenças nos próprios tratamentos. Durante algum tempo o efeito placebo foi mais bem visto como uma ferramenta de diagnóstico do que propriamente um tratamento.
Hoje sabemos que expectativas positivas podem trazer muito mais do que conforto emocional, produzindo um verdadeiro alívio para variadas como condições incluindo asma, Parkinson, doença cardíaca e dor crónica. A conexão corpo-mente é real e potencialmente poderosa.
Aliás, já há estudos que mostram que mesmo sabendo que estão perante um placebo, os pacientes respondem da mesma forma como responderiam se tomassem um fármaco com princípio ativo. Vejamos o exemplo do estudo da psicóloga Cláudia Carvalho publicado em 2016, em que era dado um frasco com cápsulas devidamente identificado de “Cápsulas de placebo, Tomar 2 vezes por dia”. Neste ensaio clínico a psicóloga mostrava um vídeo para consolidar a ideia depois de explicar bem que os comprimidos não continham qualquer princípio ativo; acrescentava ainda que não era de esperar que as pessoas sentissem um humor otimista para que os placebos tivessem efeito, o simples ato de os tomar iria ser o tratamento.
Três semanas depois, os participantes reportaram uma redução de 30% da sua dor normal e máxima, uma grande melhoria que não foi observada no grupo de controlo que continuou normal.
Mais extraordinário, foi um follow-up publicado pela mesma investigadora em 2020, mostrando que os benefícios se mantiveram ao longo de 5 anos após o estudo inicialmente ter terminado. O conhecimento da resposta do placebo parece ter ficado com os participantes, aumentando a sua capacidade de lidar com a sua condição.
Nocebo – O efeito negativo das expectativas
Existe um fenómeno, contrário ao fenómeno do efeito placebo que os cientistas e os médicos chamaram de nocebo. Assim como conseguimos deixar-nos influenciar por expectativas positivas, por vezes também nos deixamos influenciar por expectativas negativas. O caso de um homem no Tennessee que foi diagnosticado com cancro do esófago nos anos 70. Foi submetido a cirurgia onde lhe tiraram o tumor com sucesso, mas exames posteriores mostraram que o cancro tinha alastrado para o fígado. Disseram-lhe que ele teria sorte se sobrevivesse até ao Natal e ele mal passou as festividades com a família e faleceu no início do ano. Acontece que ao realizarem a autópsia descobriram que o tumor que ele tinha no fígado não o podia ter matado, tinha havido um erro no diagnóstico.
O potencial dos pensamentos negativos e da expectativa negativa já é bem conhecido desde os inícios da medicina moderna, até antes do conceito de nocebo.
No limite, poderemos “morrer por expectativa”?
Têm sido documentadas, ao longo dos últimos anos respostas extremas nocebo, muito embora se mantenham situações raras elas existem. Vejamos o caso registado no Minnesota em 2007 de um senhor que estava extremamente deprimido e que se voluntariou, para participar num ensaio clínico de um fármaco antidepressivo. Inscreveu-se na esperança de se sentir melhor, só que os efeitos não duraram muito e o senhor num ato de desespero resolveu tomar todas as 29 cápsulas da caixa. Rapidamente se arrependeu e pediu ajuda ao vizinho para que o levasse ao hospital onde foi socorrido em estado de colapso.
Estava trêmulo, sonolento, pálido, e com uma tensão arterial preocupante. Após alguns exames os médicos no hospital concluíram que não havia qualquer toxicidade no seu corpo.
Não havendo melhoria no seu estado, o hospital contactou a equipa do ensaio clínico que confirmou que o senhor não tinha tomado o princípio ativo, no entanto, de acordo com os sinais vitais, ele estava em overdose. Felizmente após falarem com o senhor ele teve uma recuperação total.
Pode assim dizer-se, que “morte por expectativa” é possível; medos e ansiedades sobre doença podem contribuir para doença do coração num número surpreendente de pessoas. É importante relembrar, no entanto, que efeitos nocebo extremos podem ter consequências poderosas na nossa saúde do dia a dia e no nosso bem-estar.
Expectativa e o contágio grupal
O nosso cérebro tem um sistema chamado sistema de espelho. Este sistema é constituído por uma rede de neurónios que são os neurónios espelho; estes neurónios, descritos inicialmente em primatas, estão ligados à visão e ao movimento e permitem a aprendizagem por imitação. De acordo com estudos, graças a estes neurónios é possível sentirmos felizes só de convivermos com pessoas felizes se tivermos interações regulares com essas pessoas.
Aliás, os mesmos estudos mostram que a felicidade aumenta 10% passando do amigo do amigo e até 6% do amigo do amigo do amigo, estas descobertas são deveras importantes para a nossa saúde mental, revelando o quanto esta depende dos nossos círculos sociais.
Como a expectativa afeta a nossa alimentação
Eu sempre brinquei com esta temática, sempre disse que comia batatas fritas a imaginar que me faziam bem à saúde e não é que não estava totalmente errada? Não vou ser fundamentalista, mas o que vou escrever a seguir vai dar que pensar. As nossas expectativas acerca dos nutrientes da comida que ingerimos vão influenciar diretamente as respostas do nosso corpo à comida, incluindo a digestão (assimilação e absorção dos nutrientes) e o metabolismo (o uso desses nutrientes como energia para as nossas células).
Quando pensamos que estamos a comer menos calorias do que estamos na realidade, o nosso corpo, responde como se isso fosse verdade: então, sente-se menos saciado, sente mais fome e queima menos calorias para preservar depósitos de gordura.
Usar sentimentos negativos a nosso favor
Durante os últimos séculos têm sido testadas várias teorias sobre a utilização dos sentimentos sentidos durante momentos de ansiedade para nosso benefício. O psicólogo Jeremy Jamieson da universidade de Rochester do Estado de Nova Iorque esteve na frente da investigação científica no início dos anos 2000. O seu interesse passava pela forma como estudantes atletas geriam a sua ansiedade. Ele notou que alguns dos atletas ficavam frequentemente entusiasmados e excitados antes de um jogo, no entanto, ficavam verdadeiramente nervosos antes de um exame. Eram ambas situações de alta pressão, pelo que se questionava, como podia ser o stresse um ajudante num do contexto, e um bloqueio no outro?
Jamieson suspeitou que tinha a ver com a forma como ambos os eventos eram percecionados e avaliados pelos estudantes. Na situação do jogo o atleta interpretava o seu nervoso como um sinal de energia, enquanto que no exame o mesmo nervoso era visto como um sinal de falha iminente. Essas expectativas poderiam então tornar-se profecias autorrealizáveis moldando as respostas do cérebro e do corpo ao stresse.
Porque é que a avaliação do que sentimos tem este poder? Para investigadores como Jamieson, tem tudo a ver com a capacidade de previsão do nosso cérebro, equilibrando os nossos recursos mental e físico com a exigência da tarefa para planear uma resposta apropriada.
Se virmos a nossa ansiedade como debilitadora e redutora da nossa performance estamos a reforçar a nossa expectativa que estamos em desvantagem e que vamos falhar – e o cérebro vai responder face à ameaça e preparar o corpo para o perigo e potencial ferimento. Mas se nós sentirmos o coração acelerado como um sinal de energia para um evento potencialmente importante e recompensador, estamos a reafirmar a ideia que temos tudo o que precisamos para ser bem-sucedido. “A resposta ao stresse, em vez de ser esta coisa a ser evitada, na realidade torna-se um recurso.” diz Jamieson.
O cérebro pode assim focar-se na tarefa em questão sem estar sempre alerta com qualquer ameaça, e o corpo pode preparar-se para realizar a ação na sua capacidade e potencial máximos, sem o risco de nos magoarmos.
É importante enfatizar que a intenção é alterar a interpretação da nossa ansiedade e não suprimir os sentimentos em si. Com esta técnica de reavaliação, não tens de te preocupar se ficas sem ar ou se o teu coração está a bater muito rápido, aquilo que tens de te lembrar é que essas respostas não são um sinal de fraqueza, mas sim que elas podem e devem ajudar-te a executar a tua tarefa no teu melhor potencial e assim desenvolver o teu futuro.
Aplicação dos nossos recursos
No seguimento deste raciocínio, estudos têm vindo a mostrar que também as nossas expectativas têm influência na utilização dos nossos recursos, na realização das tarefas em si. Isto quer dizer que se acreditarmos que uma determinada tarefa nos vai cansar mais do que outra, o mais certo é que essa tarefa de facto, despenda mais recursos e acabamos mais cansados.
As expectativas também funcionam para a nossa força de vontade. Se temos uma baixa expectativa da nossa força de vontade, faz sentido que o nosso cérebro vá trabalhar em resposta a essa expectativa, ou seja, de forma a reduzir o consumo de glucose e a poupar as reservas de energia e evitar a exaustão.
O contrário também pode acontecer. Se a pessoa pensar que tem recursos ilimitados, o cérebro vai libertar toda a energia necessária, já que não tem receio que esta acabe. Vai usar todos os recursos disponíveis porque tem a crença que eles são ilimitados.
Efeito Pigmaleão – O que pensamos dos outros e o que os outros pensam de nós
Nos anos 60 os psicólogos Robert Rosenthal e Lenore Jacobson fizeramez uma experiência numa escola primária que consistiu em realizar um teste de inteligência aos alunos no início do ano. A informação dos resultados foi dada apenas aos professores tendo sido referidos os alunos com valor mais elevado. No final do ano constatou-se que os alunos com o QI mais alto tiveram as melhores performances. A questão é que a informação que foi dada aos professores afinal foi aleatória, ou seja, os nomes dos alunos com os QI mais altos não foram os alunos que efetivamente tiveram os valores mais elevados, mas sim foram nomes aleatórios na listagem de todos os alunos.
Este estudo veio demonstrar que a expectativa que os professores colocaram sobre os alunos influenciou a performance dos alunos ao longo do ano.
Constata-se que a expectativa que temos dos outros pode influenciar a sua performance, assim como a expectativa que os outros têm de nós também nos influencia. A este fenómeno Rosenthal e Lenore chamaram de efeito Pigmaleão.
Tenho a expectativa, que após ler este artigo tenhas uma ideia mais clara do quanto expectativas são capazes de moldar a tua vida e a vida de quem está à tua volta, e isso de alguma forma te ajude a tornar mais consciente a tua caminhada e a tua vivência em si própria. Apesar de tudo o que escrevi que é muito limitado, muito mais se pode dizer sobre este assunto, sabe-se que por muito mais que tornemos um hábito a prática destas habilidades ou competências, nem sempre depende só de nós controlarmos as nossas expectativas e crenças. Vejamos o exemplo da recente pandemia por covid-19 em que tantas pessoas com as melhores competências para lidar com situações de stresse se viram deprimidas e solitárias durante os contínuos confinamentos.
Sejamos compassivos e generosos connosco e lembremo-nos que estamos sempre em progresso. Graças à evolução na neurociência conhecemos hoje a ideia da neuroplasticidade que é a habilidade do nosso cérebro de renovar ligações neuronais e de se alterar, e até mesmo de criar novas conexões em resposta às circunstâncias. Estas ligações vão determinar as nossas próprias habilidades. Sejamos gentis com a nossa transformação pessoal, pois ela não acontece de um dia para o outro e nem sempre é linear. Ao termos consciência das nossas dificuldades e limitações também reconhecemos o facto de que os outros à nossa volta podem ter dificuldades e isso dá-nos uma perspetiva muito solidária e humilde do caminho a percorrer.
Obrigada por teres lido até ao fim. Se tiveres comentários ou perguntas envia-me um email ana.cecilia.autora@gmail.com
Este artigo teve inspiração no livro “The Expectation Effect – How your mindset can transform your life” de David Robson