Sono e Sonhos – Parte I

O SONO E OS SONHOS – PARTE I

DORMIR

Segundo a Organização Mundial de Saúde é recomendado dormirmos oito horas por noite. No entanto, sabe-se que dois terços da população dos adultos dos países desenvolvidos não as conseguem dormir.

Isto não deve surpreender-te, mas atenta nas consequências de não dormir. Dormir menos de seis horas com frequência destrói o sistema imunitário e aumenta muito o risco de vir a ter cancro. Um estilo de vida com sono insuficiente é um dos fatores determinantes para desenvolver ou não a doença de Alzheimer.

O sono inadequado mesmo que por um período curto de tempo pode alterar os níveis de açúcar no sangue tão profundamente que a pessoa poderia ser considerada doente pré-diabético.  Dormir pouco aumenta o risco de doenças cardiovasculares, por aumentar a probabilidade das artérias coronárias ficarem bloqueadas e quebradiças.

As perturbações do sono contribuem para todas as condições psiquiátricas mais relevantes como a depressão, a ansiedade e as tendências suicidas.

As hormonas que afetam a fome e a saciedade são também afetadas pelo sono, quando não dormimos a hormona que afeta a fome fica mais concentrada fazendo com que sintamos mais fome.

Dormir é um dos fenómenos biológicos mais misterioso e estranho. Quando estamos a dormir não nos estamos a alimentar nem a reproduzir, nem nos podemos defender, estamos particularmente vulneráveis, do ponto de vista evolutivo. No entanto, tem-se percebido que é o fenómeno comum a quase todas as espécies. O que significa que deve ter algum valor e importância, e trazer benefícios.

O sono é complexo, interessante e bastante relevante para a nossa saúde, como vamos ver ao longo das próximas linhas. Dormimos por um conjunto de funções e benefícios para o nosso corpo e o nosso cérebro. Não existe um órgão no corpo, nem um processo cerebral que não beneficie ou não seja otimizado pelo sono.

EXISTEM DOIS FACTORES QUE DETERMINAM QUANDO QUEREMOS DORMIR E QUANDO QUEREMOS ESTAR ACORDADOS

Ritmo Circadiano

Já te questionaste como é que o teu corpo sabe que é hora de dormir ou de acordar? Ou porque é que sofres de jet lag quando viajas para outro fuso horário?

Todos nós somos influenciados por um ritmo chamado ritmo circadiano. Considerado uma força poderosa que coordena o nosso estado de alerta e sonolência de uma forma ritmada em ciclos de 24 horas.

Toda a gente tem um ritmo circadiano (circa significa em volta de e dian que deriva de diam significa dia). Este ritmo ajuda a determinar quando quer estar acordado e quando quer estar a dormir. Também ajuda com funções como altura ideal para comer e beber, a disposição e as emoções, a temperatura corporal, equilíbrio hormonal, metabolismo e quantidade de urina produzida.

Porque a luz solar influencia o nosso ritmo circadiano?

O núcleo supraquiasmático (relógio biológico de 24 horas que existe no interior do nosso cérebro, supra significa “mais do que” e quiasma significa ponto de cruzamento) encontra-se nos nervos óticos que têm a sua origem nos globos oculares. Está aqui localizado porque “testa” o sinal de luz que cada olho envia através do nervo ótico para a parte de trás do cérebro para o processamento visual. O núcleo supraquiasmático, composto por cerca de 20 000 neurónios, usa esta comunicação para perceber se é de dia ou de noite, utiliza esta informação luminosa confiável para repor a sua precisão temporal inerente e atingir um ciclo de 24 horas.

Quando sofremos de jet lag, o fenómeno que acontece é que o núcleo supraquiasmático mantem o seu ritmo, independentemente do que possa acontecer externamente. Por exemplo quando viajamos, hoje em dia, com a tecnologia, é possível viajar para locais onde o fuso horário é diferente bastantes horas, e o nosso corpo e o nosso cérebro não têm tempo para se adaptar e por isso continuam a fazer o ritmo como se estivessem no mesmo local e por isso sentimos sono apesar de ser dia no local em que estamos, porque na realidade é hora de dormir no local de onde viemos. E o mesmo acontece ao contrário, sentimos dificuldade em adormecer quando é de noite no destino porque na nossa origem estaríamos acordados.

Ao final de alguns dias o corpo e o cérebro adaptam-se ao novo horário, graças à melatonina. A melatonina, é a hormona libertada pela glândula pineal responsável por informar o nosso corpo que está na hora de começar a descansar e ir dormir. Esta hormona, instruída pelo núcleo supraquiasmático, assim que chega o entardecer é libertada na corrente sanguínea atuando como uma notificação de que está na hora de ir dormir.

A mesma hormona tem o seu pico de produção até a meio da noite, diminuindo lentamente até às primeiras horas da manhã. A ausência de produção da hormona indica ao cérebro e ao corpo de que o sono chegou ao fim.

É o compasso que rege o relógio biológico. Funciona como um ciclo de cerca de 24 horas. A luz do sol funciona como interruptor deste ciclo e dá indicação quando se deve descansar e quando devemos iniciar o dia.

Adenosina

A adenosina é um químico que se acumula no nosso cérebro ao longo do dia, ou do período em que estamos acordados, e que provoca o aumento da vontade dormir. Quanto mais tempo estivermos acordados mais adenosina se vai acumular e mais sono vamos ter.

A adenosina tem um efeito duplo inteligente, que consiste em diminuir simultaneamente a atividade das áreas do cérebro responsáveis pela vigília.

Depois de adormecer, o cérebro começa a eliminar toda a adenosina acumulada através da degradação e remoção da mesma. Para um adulto a eliminação da adenosina fica completa após cerca de 8 horas de sono.

PARA QUE SERVE DORMIR?

Apesar do avanço da ciência no que diz respeito ao sono, ainda não há uma resposta consensual à pergunta “para que serve dormir”? Existem algumas teorias, entre as quais se inclui a tese que indica que dormimos para conservar a energia, adaptação ao meio ambiente.

Para o cérebro, dormir melhora uma serie de funções incluindo a capacidade de aprender, o reforço e consolidação da memória, fazer escolhas lógicas e tomar decisões, manter a integridade do sistema nervoso central, restaurar tecidos do cérebro.

A expressão “dormir sobre o assunto” não é totalmente disparatada já que o sono também permite uma restauração da saúde psicológica, reajustando circuitos emotivos do cérebro e trazendo uma postura mais calma e serena após uma noite de sono.

O sono também restabelece células lesionadas, estimula e reforça o sistema imunitário ajudando a combater processos malignos, ajuda o corpo a recuperar-se das atividades do dia e a recarregar o coração e o sistema cardiovascular para o dia seguinte.

O sono regula níveis de insulina e glucose em circulação, assim como o apetite e a saúde nutricional.

Todos nós sabemos o valor de dormir bem e todos já nos sentimos revigorados após uma boa noite de sono. Porém, apesar de sabermos disso, na vida cotidiana agitada, muitos de nós não conseguimos obter o sono de qualidade nem as 7-9 horas de sono que o corpo necessita para executar essas funções.

O QUE É O SONO?

Sono (do latim somnus, com o mesmo significado) é um estado de consciência, complementar ao da vigília (ou estado desperto), em que há repouso normal e periódico, caracterizado, pela suspensão temporária da atividade percetivo-sensorial e motora voluntária. Complementar, significa que, na maioria dos indivíduos, tais estados de consciência alternam-se, complementando-se ordinária, periódica e regularmente. No entanto está longe de ser um estado simples, pelo contrário, é um estado altamente complexo, repleto de funções que são restauradas e aprofundadas durante o sono.

O sono é regulado pela parte mais primitiva do cérebro com mais de 300 milhões de anos de evolução, o pedúnculo cerebral; este é influenciado e influencia as partes mais recentes, nomeadamente, a área límbica (200 milhões de anos) e o córtex cerebral (a mais recente). O sono é dividido em sono REM (definição em inglês – Rapid Eye Moviment tradução-movimento rápido dos olhos) e sono NREM (N para não – significa que nesta fase não há movimentos rápidos dos olhos). O estado de sono é caracterizado por um padrão de ondas cerebrais típico, essencialmente diferente do padrão do estado de vigília, bem como do verificado nos demais estados de consciência. O sono NREM é responsável por cerca de 75% a 80% do tempo total do sono dos adultos. A fase NREM ocorre usualmente nos primeiros 90 a 120 minutos do sono e começa com um tempo de ondas mais ou menos rápidas e que vão ficando mais lentas até atingir uma fase de ondas muito lentas. Estas subfases do sono NREM são denominadas de sonos S1, S2 e S3. Cada fase do sono, sono NREM leve, sono NREM profundo e sono REM oferece benefícios diferentes para o cérebro em diferentes alturas da noite o que faz com que todos os tipos de sono sejam essenciais.  No ser humano, o ciclo do sono é formado por quatro estágios, que duram cerca de noventa minutos (podendo chegar a 120 minutos). Pode repetir-se quatro ou cinco vezes durante o sono.

FASES DO SONO

NREM Sono leve (Fase 1)

Esta é uma fase de sono bastante leve que dura aproximadamente 10 minutos. A fase 1 do sono começa no momento em que se fecha os olhos e o corpo começa a adormecer, no entanto, ainda é possível acordar facilmente com qualquer som que aconteça no quarto, por exemplo.

  • Algumas características desta fase incluem:
  • Não perceber que já se está a dormir;
  • A respiração vai se tornando mais lenta;
  • É possível ter a sensação de que se está a cair.

Durante esta fase, os músculos ainda não estão relaxados e, por isso, a pessoa ainda se movimenta na cama e pode até abrir os olhos enquanto tenta adormecer.

NREM Sono leve (Fase 2)

A fase 2 é a fase a que se refere quando diz que tem um sono leve. É uma fase na qual o corpo já se encontra relaxado e a dormir, mas a mente está atenta e, por isso, a pessoa ainda consegue acordar facilmente com alguém a mexer-se dentro do quarto ou com um barulho na casa.

Esta fase dura cerca de 20 minutos e, em muitas pessoas, é a fase na qual o corpo passa mais tempo ao longo de todos os ciclos de sono.

NREM Sono profundo (Fase 3)

Esta é a fase do sono profundo na qual os músculos relaxam completamente o corpo fica menos sensível a estímulos externos, como movimentos ou barulhos. Nesta fase a mente está desligada e, por isso, raramente existem sonhos. No entanto, esta fase é muito importante para a reparação corporal, pois o corpo vai tentando recuperar de pequenas lesões que foram surgindo ao longo do dia.

Sono REM (Fase 4)

O sono REM é a última fase do ciclo do sono, que começa por durar cerca de 10 minutos e que normalmente começa cerca de 90 minutos depois de adormecer. Nesta fase, os olhos movimentam-se muito rapidamente e o batimento cardíaco aumenta, normalmente é nesta fase que sonhamos.

É também nesta fase que pode surgir um distúrbio do sono conhecido como sonambulismo, no qual a pessoa se pode levantar e andar pela casa, sem nunca acordar. A fase REM vai sendo mais demorada a cada ciclo do sono, podendo chegar até aos 20 ou 30 minutos de duração.

ONDAS CEREBRAIS DO SONO 

FASE 1

Ondas Beta (baixíssima amplitude, alta frequência; 13 a 30 ondas/segundo)

Pessoa acordada e ativa (em estado de vigília). São ondas mais rápidas, sinaliza um cortex ativo e intenso estado de atenção. Registo irregular (dessincronizado).

FASE 2

Ondas Alfa (baixa amplitude, 8 a 13 ondas/segundo)

Pessoa acordada e relaxada, com os olhos fechados. Os neurónios disparam em tempos diferentes. Registo regular (sincronizado).

FASE 3

Ondas Teta (baixa-média amplitude, spike-like wakes; 3 a 7 ondas/segundo)

Pessoa sonolenta ou adormecida, sono de transição. Pode ser observado no hipocampo. O ritmo teta também é observado no sono REM. Como o hipocampo está envolvido no processamento da memória, a presença do ritmo teta durante o sono REM nessa região do cérebro pode estar relacionada com essa atividade.

FASE 4

Ondas Delta (alta amplitude, baixa frequência; 3 ondas/segundo)

Pessoa em sono profundo. Os neurónios, os quais estão envolvidos no processamento de informação, disparam todos aos mesmo tempo, portanto a atividade está sincronizada. As ondas são grandes e lentas.

FASE REM

60 a 70 ondas/segundo

Retração máxima da pupila e da membrana nictitante acompanham as saliências dos movimentos oculares.

DORMIR AO LONGO DA VIDA

  • Antes do nascimento, um bebé humano passa a maior parte do tempo a dormir, ou num estado semelhante ao sono, parecido com fase do sono REM. Qualquer movimento de braços ou pernas é possivelmente a consequência de movimentações involuntárias de atividade cerebral típicas do sono REM.
  • Durante a infância o sono é caracterizado por ser polifásico: muitos períodos de sono curtos ao longo do dia e da noite intercalados de períodos de vigília, ao contrário do sono dos adultos que é monofásico. Nas crianças pequenas e bebés o sono tem um grande número de fases do sono. Quando nascemos as estruturas que geram o sono estão totalmente desenvolvidas felizmente, mas o núcleo supraquiasmático, responsável pelo relógio biológico das 24 horas ainda não está totalmente formado. Apenas com cerca de um ano de idade esta estrutura atinge a maturidade e a criança começa a passar mais tempo acordada durante o dia, embora ainda durma sestas, e passe mais tempo a dormir durante a noite. Aos quatro anos a criança passa a ter um perfil bifásico de sono e só no fim da infância é que passa a monofásico.
  • Durante a adolescência o ritmo do núcleo supraquiasmático é progressivamente empurrado para a frente: é uma alteração que acontece a todos os adolescentes independentemente do local do mundo. Isto reflete-se numa alteração dos horários de deitar e acordar o que causa por vezes muita frustração por parte dos todas as partes envolvidas. Os pais querem que o adolescente acorde a uma hora “razoável”, mas na realidade ainda necessita dormir mais porque precisa completar o ciclo circadiano. Por outro lado, no horário de ir dormir o adolescente ainda está totalmente desperto quando o adulto já se encontra sonolento.
  • O sono dos adultos é mais desorganizado. Dizer que os adultos precisam de dormir menos e quanto mais velhos menos precisamos dormir é um mito. A necessidade de dormir continua a mesma à medida que envelhecemos, a diferença é que temos menos capacidade para gerar o sono. Após o início dos 20 anos inicia-se uma recessão do sono profundo em contraste ao sono REM que continua a ser maioritariamente estável até à meia-idade, o declínio do sono NREM profundo começa a fazer-se sentir no início dos 30 anos. Começamos a ter menos horas de sono profundo e as ondas cerebrais do sono NREM tornam-se mais curtas, menos poderosas e menos frequentes. Ao chegar aos 70 anos já teremos perdido cerca de 80 a 90% do sono profundo que tanto apreciávamos enquanto jovens adolescentes.
 

ALGUMAS PERTURBAÇÕES DO SONO

Jet lag

Distúrbio do sono quando há alterações no horário e no relógio biológico.

As perturbações do sono ligadas ao ritmo circadiano acontecem quando o horário interno de dormir e acordar (relógio) das pessoas, não alinha com o ciclo de claro (dia) e escuro (noite) da Terra. Os fusos horários e trabalho por turnos comumente perturbam os ritmos normais de dormir e acordar.

Insónia

Capacidade inadequada de gerar sono, apesar de se conceder uma oportunidade adequada para dormir. As pessoas que sofrem de insónia não conseguem produzir uma quantidade/qualidade de sono suficiente, apesar de se concederem tempos suficiente para dormirem.

Sonolência excessiva durante o dia

Pessoas que sente demasiada sonolência ou adormecem durante o dia.

Sonambulismo

Envolve alguma forma de movimento. Engloba condições como andar a dormir, falar a dormir, comer a dormir, enviar mensagens a dormir.

Narcolepsia

Perturbação neurológica caracterizada por 3 sintomas principais:

Sonolência diurna excessiva (envolve ataques súbitos de sono, equivalente ao sono que teria se passasse 3 ou 4 dias sem dormir)

Paralisia do sono (assustadora perda da capacidade de andar ou de se mover quando acorda, o efeito é temporário)

Cataplexia (perde súbita do controlo muscular, pode pender a cabeça ou cair mesmo por completo)

Síndrome das pernas irrequietas

Distúrbio neurológico em que a pessoa tem a sensação desagradável nas pernas, antes de adormecer, como se as pernas estivessem a queimar ou com dores, alivia se a pessoa mexer as pernas.

Apneia do sono

Paragem respiratória durante o sono. Pode acontecer por obstrução ou por problemas do sistema nervoso central. Normalmente associada à roncopatia.

Não percas a PARTE II deste artigo onde vamos falar de sonhos e dar dicas para melhorar a qualidade do sono.

Obrigada por teres lido até ao fim. Se tiveres comentários ou perguntas envia-me um email ana.cecilia.autora@gmail.com

Este artigo teve inspiração nos livros “Porque Dormimos?” de Matthew Walker e “A Interpretação dos Sonhos” de Sigmund Freud

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